Isabel Carvalho, "o nu e a audiência," 2022 Impressão de texto a jacto de tinta sobre papel fotográfico Díptico (português/inglês), 70x50cm/ cada
Obra apresentada na semana "Corpo Manifestação", integrada no programa "Lembrar o Futuro", Porto: RAMPA, 21.04-11.06.2022. Excerto do texto “O nú e a audiência” que Isabel Carvalho apresentou na exposição “Lembrar o Futuro: Arquivo de Performance”, decorrida no espaço RAMPA em Abril de 2020, depois de ter tido acesso ao arquivo de performance de Egídio Álvaro: “ (...) Dissemos que não era bonito, não podia ser, aceitar as transgressões de um corpo electrificado apto a existir, a ocupar espaços, a movimentar símbolos, em fúria, reclamando reacções públicas ao mesmo tempo que se movia de forma inconsistente, confrontando as nossa cómodas narrativas, como meros observadores, assim como os nossos mundos e os nossos pressupostos; estávamos comprimidos como um punho a pressionar o ar; de facto, dificilmente se podia dizer que se tratava de um acto belo; suspeitámos que estava ali em jogo a nossa fantasia de tocar um corpo quente, mas que, contra todas as evidências, repelíamos; talvez um dia, todos os desejos que possuímos possam encontrar objectos que os saciem, objectos disponíveis para nós os consumirmos, mas não era disso que se tratava ali; havia um desencontro; acostumados a sublimar o que instintivamente queremos para que não sejamos facilmente impelidos à deriva, resistimos; temíamos que se perseguíssemos uma cadeia de desejos, esta não deixasse de se multiplicar, cada vez mais, em outras configurações desejáveis que nos prenderiam a um ciclo sem fim; todos nós queríamos falar, talvez de coisas tontas, só porque os deslizes do que as nossas línguas transportam para os lábios podiam criar canais de ideias mais bem organizados, mas que também levariam facilmente ao fundo a nossa reputação de pessoas preparadas para o que vinham; ali sentimos que convergíamos para um caos; (...) Julgámos ter saído incólumes, ignorando que um corpo, como o nosso, tem outras formas de apreender o que nos foi oferecido a experimentar a partir de um outro corpo; pois habitar um corpo resulta em muito mais do que isso que se manifesta em nítidas resistências; quando só conjuga a vontade e uma frágil consciência de si, perde a capacidade de trazer para a luz do dia o verdadeiro reconhecimento das transformações sentidas, muito subtilmente, pelos nossos órgãos; esta oportunidade de superação, se assim vista, seria favorável para nos submetermos aos golpes infligidos posteriormente no nosso quotidiano, de acordo com os nossos desejos de mudança, como tal se pôde mais tarde verificar; sim, faltava que o tempo corresse o seu curso próprio para podermos averiguar que um corpo transformado num caleidoscópio de sensações, dificilmente captadas no imediato, é uma realidade viva, combativa.”