Folha de sala - Lembrar o Futuro - Alternativa 5
TEXTO: “Lembrar o Futuro: Arquivo de Performances” foi um processo de recuperação, documentação e activação sobre o trabalho que o crítico de arte Egídio Álvaro dedicou à história da performance-arte. Assumido como um espaço de trabalho em contínua transformação, destacou diferentes artistas e diferentes materiais visuais e culturais, concluindo-se com uma mostra dedicada ao V Festival de Arte Viva (Porto, 1987): O ÂNGULO RECTO FERVE A 90º. A activação do espólio de Egídio Álvaro que – sem deixar de invocar outros arquivos e construir novas memórias – fomos celebrando ao longo das últimas semanas, permitiu lembrar o muito trabalho que ainda há por inscrever na História de Arte em Portugal. É agora mais claro como o contexto da revolução de Abril de 1974 foi fundamental para a performance-arte portuguesa e há mais evidência, tanto das inúmeras histórias do trabalho de artistas internacionais em Portugal, como de um denso contexto da arte portuguesa no estrangeiro, nomeadamente em França. Egídio Álvaro aparece mais claramente como um constante promotor deste intercâmbio cultural. Sem esquecer o festival Performance Portugaise, organizado no Centre Georges Pompidou em Paris (1984), e que representou um reconhecimento institucional da programação cultural de Egídio Álvaro, o presente trabalho utiliza o V Festival de Arte Viva que se realizou em 1987 no Porto, como limite do arco temporal de uma programação fundamental (na sua heterodoxia), para a história da performance-arte em Portugal, que começou com o ciclo internacional Perspectiva 74, passou pelos Encontros Internacionais de Arte Portugal – Valadares (1974), Viana do Castelo (1975), Póvoa de Varzim (1976) e Caldas da Rainha (1977) –, pela contínua programação da Galerie Diagonale (Paris) desde 1979 – dentro e fora de portas –, pelos Festivais de Arte Viva em Almada (1981, 1982, 1983) e Cascais (1985), para culminar no Porto (1987). Os Festivais de Arte Viva (iniciados em Almada em 1981) anunciaram-se como lugares de encontro, troca, e livre circulação, apresentando performances, poesia visual, vídeo-arte, dança experimental, exposições, arte postal, instalações, novos espaços sonoros e fóruns de debate (uma continuação dos Encontros Internacionais de Arte em Portugal e simultaneamente um contraponto dos Festivais Internacionais de Performance-Arte com que Egídio Álvaro colaborou internacionais). Potenciar o encontro e a livre troca e circulação entre artistas de todo o mundo foi sempre um marco de singularidade do trabalho de Egídio Álvaro, que assumiu o contexto da revolução de Abril como uma oportunidade fundamental para a transferência do espaço de acção dos artistas para a rua e para o encontro directo com a população, quebrando muitas fronteiras entre arte e vida, arte e população, arte nacional e internacional, passado e futuro. Sem apoio institucional e assumindo a programação da Galerie Diagonale como independente, Egídio Álvaro foi dos poucos críticos de arte a escrever sobre a liberdade desta confluência de experiências sonoras, visuais, corporais, poéticas e teatrais – celebrando a coexistência de experiências entre artistas com diferentes objectivos –, num espaço e tempo de relação e intervenção imediata com um público não especializado. A sua programação fomentou novos confrontos, necessários à activação de conhecimento, colocando o público como elemento central da transformação cultural. Os documentos áudio e vídeo destes eventos, ainda pouco acessíveis dada a sua invisibilidade material e o desinteresse institucional pela sua acessibilidade pública, tornam evidente a nova liberdade do confronto entre a arte e os públicos. Sem filtros e próximos do quotidiano experienciado, os media permitem pensar a arte no contexto sócio-cultural do seu tempo, e apresentam-se ainda hoje como espelho da responsabilidade individual e colectiva. A história do diálogo em directo, activada por Egídio Álvaro através da performance-arte, entendida como confluência de distintos territórios e sensibilidades artísticas, é essencial para rever a Alternativa 5, ou quinto Festival de Arte Viva (Porto, 1987). Uma performance sobrevivente das rupturas que dissolveram as fronteiras convencionais entre as diferentes artes, que aconteceu entre equilíbrios frágeis – através de um manifesto desinteresse pelas vozes autoritárias e credenciadas –, nos terrenos que o abandono dos lugares de enunciação estabelecidos deixou vazios, anuncia-se como uma acção de liberdade em choque com as ordens estabelecidas. Pensar e fazer crítica de arte como modo de produção de conhecimento e questionamento da cultura implica a ocupação de novos espaços e, simetricamente, a exposição do público. Para este último Festival de Arte Viva, foi solicitada a colaboração de vários espaços da cidade do Porto: o Instituto Francês, o bar Aniki-Bóbó, a discoteca Lux (Centro Comercial Dallas), a discoteca Indústria (Foz), uma sala no último piso do Centro Comercial Brasília e a Galeria Roma e Pavia. A organização ficou a cargo de Egídio Álvaro, Pedro Oliveira e António Olaio. Participaram pelo menos 4 dezenas de artistas. Ficaram as fotografias de Bernard François e vários vídeos cuja autoria ainda não está identificada. A mudança política do 25 de abril de 1974 evidenciou a urgência do diálogo da arte contemporânea com uma população ainda profundamente rural e desinformada, e questionou a função social da arte, a sua capacidade de mudar o mundo, e as suas condições elementares de produção e sobrevivência. Depois de 1985, a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, alterou profundamente o contexto sócio-cultural, mas continuará a ser a forma como construirmos a memória do futuro que pode permitir a transformação do passado. " Paula Pinto