"Cage escreveu [o texto "Onde é que Estamos a Comer? e O Que é Que Estamos a Comer?"] para a antologia de fotos e textos sobre Merce e a companhia, da autoria de James Klosty em 1975. Nesta antologia as 38 variações aparecem todas juntas em 3 páginas, só com 1 espaço entre elas, mas nós escolhemos dar 1 página por variação na tradução. As variações de Cage mostram uma atenção ao comer com outras pessoas e ao que se come, e onde. Uma atenção onde se juntam várias linhas, por exemplo:
— o movimento – estradas, rios, via aérea, dos bailarinos;
— as listas – de nomes de restaurantes e hotéis, de nomes e tipos de sandes, de
lugares, de nomes de pessoas envolvidas nas tours da companhia;
— receitas: de molho verde, de churrasco; de recheio de galinhas no forno; de
bolos de noz
e ideias sobre a ciência e a comunicação (ligações vídeo por computador); e
genética; ideias sobre práticas agrícolas libertárias e comunas anarquistas; sobre
composição e forma; resumindo, sobre o trivial, o íntimo, o social, tudo político,
a amizade, os regimes alimentares, as relações.
É curioso ver, por exemplo, quando Cage fala em comer muito e em peso, fala
também do poeta e místico tibetano Milarepa que voava como um cardo, antes
tendo falado sobre o carinho com que a Betty Johnston preparava tupperwares
de comida para ele e para Merce quando ficavam em casa dela.
As variações são mais ou menos compostas cada uma por 3 a 5 partes. Estas
partes correspondem a diferentes motivos e ideias dentre as que acabo de
enunciar e não há uma ordem clara para o seu lugar em cada variação. Sobre a
disposição visual do texto na página, para dizer que, ao contrário de outros
trabalhos de Cage, aqui não há uma ordem percetível para a quebra da linha, nem
uma composição poética estruturada como o mesóstico que ele tanto usa.
A quebra de linha é mais ou menos arbitrária e foi assim que ficou na tradução.
Parece que cada variação é um conjunto de conjuntos e a maneira como estes se
articulam é tanto temática como aleatória.
Sobre a tradução: Penso que esta é a primeira tradução deste texto em língua
portuguesa. No Brasil, a editora Numa, está a publicar as conversas entre John
Cage e Joan Retallack, mas não o Empty Words [Palavras Vazias?). Eu comecei
a tradução em 2018 e terminei-a há coisas de 1 ou 2 meses. Pelo meio a Rita
Barreira organizou uma leitura coletiva de algumas das variações numa mesa
comunal na Zona Franca dos Anjos, em 19 de Novembro de 2019, com
sonorização do Pedro Ferreira. O texto traduzido inclui uma espécie de nota que
Cage escreveu já em 1981 para o livro Empty Words 73-78 e que nós incluímos
aqui também logo na entrada do livro.
Para acabar, só dizer que o livro inclui o texto do João dos Santos Martins, que é
uma versão revista e alterada do texto que ele publicou na revista Electra, 16 em
2022, com permissão da revista; dizer também que a foto da capa foi feita e cedida
pelo João Tabarra; que a Joana Pires fez a composição gráfica; que o Rodrigo
Dias e o Rui Lopo deram ajuda à revisão da tradução; e que a Rita Barreira e a
Elisa Pône, nos ligaram a todes e apoiaram a feitura do livro e a organização do
dia de hoje." Texto escrito e lido por Nuno Marques na Casa do Comum, Lisboa 20/12/23.
Edição de Douda Correria, Joana Bagulho e Nuno Moura.