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Bárbara Fonte, Performance “Prelúdio febril”, Rampa (Porto), sexta-feira 26 julho 2024

“Prelúdio febril” é uma ação satírica que aborda a política do corpo doméstico. O movimento, entre o domínio e a pulsão, explora o lugar da memória coletiva feminina e o seu papel atuante, combativo e provocador. Em “Neste corpo não há poesia” (Guimarães, CAAA, 2020), Bárbara Fonte expôs uma série inédita de vídeos, através dos quais pudemos presenciar a performatividade de um corpo tomado pela sua condição feminina, continuamente condenado a um lugar tácito e, simultaneamente, tático. Apresentados numa sequência de composições em movimento, óperas, ensaios infinitos e irrepetíveis a que emprestou o seu corpo, Bárbara Fonte manifestava-se numa luta inquieta e torturante, entre o impulso do desejo e a subjugação humilhante através da qual a mulher é social e politicamente explorada. Num fio bambo, tenta equilibrar-se entre o humor e a tortura, a sensualidade e a dor, a escassez e o excesso, a solidão e a exaustão, a beleza e o ridículo. As imagens das mulheres com carregos de cestos de loiças à cabeça, por vezes descalças e por caminhos íngremes, pode evocar a memória de vivências hoje ultrapassadas do quotidiano urbano, mas a ancestralidade do gesto não desapareceu. O contraste entre o esforço do carrego e a fragilidade da carga é sintomático das responsabilidades femininas. Que vozes carregam estes corpos sobrecarregados, cuja imagem já foi manipulada até ao limite? Através da fotografia e do vídeo, esta artista identifica-se com narrativas que transpõem a exposição corporal. Longe de serem documentais, as suas imagens ultrapassam a inépcia da exposição corporal para chegarem mais perto de uma essência humana complexa e discursiva. O que descobrimos nessa exposição foi a forma como o corpo feminino, muitas vezes desconsiderado como objeto de questionamento (incluindo na prática artística), ganhou protagonismo através do vídeo (e da fotografia), usado como plataforma de denúncia da sua vulnerabilidade na sua múltipla condição de mulher-filha-menina-mãe-criação-criadora. Numa projeção vídeo com 97 mins., que tomava o título da exposição de 2020, já pudemos vislumbrar a performance que Bárbara Fonte apresentou, agora, no RAMPA (Porto, 2024). Ao minuto 92, Bárbara Fonte surge, no mesmo cenário alugado para as restantes filmagens desse vídeo, sobre o mesmo tapete em que transporta o conforto e o peso da domesticidade, num enquadramento que naquele tempo ainda lhe cortava parte do rosto (quase sempre escondido ou fora de campo), coberta com loiças com asas e pegas, que parecem tecidas num vestido de lã negra. Chávenas, canecas, jarras e bules típicos de qualquer espaço doméstico, também eles firmes por uma corda comprida (que no caso das mulheres que faziam carregos, passava pelas loiças e as asas do próprio cesto, construindo uma espécie de rede), surgem agora como extensões do próprio corpo. De mãos nas ancas e pernas firmes no chão, com a ancestralidade de um corpo também ele constituído por braços- asas que trabalham e facilitam o manuseamento, Bárbara surge a chocalhar a loiça através de um movimento contínuo de torção do tronco entre a esquerda e a direita, incorporando uma cadência que começa por ser doce e sugerir o tilintar dos animais a pastar no campo, para progredir para movimentos mais bruscos que acabam no silêncio da rutura, após o escavacar de quase toda a loiça. Nesse referido vídeo de 2020, apresentado em loop, percebemos em posteriores visionamentos, que os cacos deixados por esta performance realizada para a câmara, surgem já espalhados no chão de outras performances, que na montagem final do vídeo, acabam por ser visionados antes. Mas com o visionamento contínuo em loop, este último “quadro” da montagem vídeo acaba por ser engolido na circularidade infinita ou esgotamento que a própria sequência performática representa. Exibindo os condicionalismos de um corpo político determinado à priori e limitado na sua forma de representação, as obras performativas constroem uma subjectividade que escapa aos equilíbrios a que a razão normativa obriga. Mais interrogativo do que afirmativo, o trabalho vídeo de Bárbara Fonte toma o espectador como sujeito ameaçador, mas igualmente necessário. Esta transformação subjetiva do corpo expõe uma sociedade fechada, mesquinha e sempre pronta a julgar. A performance expõe o público, obrigando-o a intervir sem o condicionamento de pré-restrições, sem as ferramentas que o elegem a espetador passivo ao mesmo tempo que o protegem do confronto consigo mesmo. Coberta de loiça de enxoval, Bárbara Fonte apresentou-se agora ao vivo com esta performance, singularizando a sua autoria, num momento único que suspendeu a respiração do público, pelo contraste entre a fragilidade controlada do gesto e a libertação da ruptura irreversível. Sem qualquer verbalização mas com a potência do som provocado pelo chocalhar da loiça, durante 8 minutos assistimos ao avesso do comportamento feminino. “Prelúdio febril” representa esse momento em que a autora assume a performance como um manifesto público. " Paula Parente Pinto

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Abstract
Performance realizada ao vivo na inauguração da exposição PERFORMANCE, PROJECÇÕES, DEBATES E REDAÇÕES Casos de estudo dos Encontros Internacionais de Arte em Portugal (1974-1977) Rampa, 26 julho - 14 setembro 2024 Curadoria: Paula Parente Pinto
Outro Contribuinte
BÁRBARA FONTE (1981) é artista plástica, apresenta um trabalho multidisciplinar no campo do desenho, da fotografia, do vídeo, da escultura e da performance. O seu projeto reflete sobre as questões de identidade, corpo, religião e política.